Para Bion, tanto o pensamento como o conhecimento originam-se de uma experiência emocional primitiva decorrente da ausência do objeto, ou seja, da frustração.
Dois fatores importantes interferem na questão da tolerância à frustração: uma condição inata e a forma como a mãe lida com a criança.
Para Bion, o bebê não nasce com recursos para compreender, decifrar e absorver suas vivências. Para isso ele precisa da mãe (de uma mente amadurecida) para fazer este trabalho por ele e entregá-lo pronto. Esta tradução dos estímulos, na melhor das hipóteses, vai permitir que as experiências sejam absorvidas e a este fenômeno Bion chama de função alfa. O que não passa pela função alfa, ele chama de elemento beta.
Da função alfa resultam os elementos alfa que servem para pensar, sonhar, realizar as experiências, aprender com elas.
Uma metáfora que pode nos ajudar a compreender: a forma como a mãe passarinha alimenta seu filhote. O filhotinho passarinho ainda não tem, quando nasce, condições para digerir os alimentos. O mesmo ocorre com o bebê, segundo Bion, com suas experiências vivenciais de ordem emocional e sensorial. A mamãe passarinha cata o alimento, aproxima-se do filhote e ele já abre o biquinho. Mas ela não lhe oferece ainda a comida. Mastiga, engole, digere, fá-la retornar à boca e só então a deposita na boca do bebê. Agora sim, ele pode engoli-la, digeri-la e processá-la para se nutrir dela. O que era beta, tornou-se alfa e como tal permite o prosseguimento de sua vida, seu fortalecimento, sua sobrevivência. Do alimento colocado inteiro em sua goelinha imatura ele se engasgaria e acabaria morrendo.
Vejo dessa forma, baseada em Bion, o início da vida humana. Nossas experiências sensoriais, afetivas e emocionais são minhoquinhas enormes inteiras. Precisamos de um passarinho adulto que as engula, processe e nos devolva digeridas para que possam nos nutrir. Mas como isto se dá?
A mãe ou o adulto que nos cuida intui que algo nos está transtornando, afetando. Sentimos fome, frio, medo, ouvimos um ruido forte, nos dói a barriga. Só sentimos uma perturbação, mas nada sabemos sobre ela. Aquela mente mais amadurecida, que precisamos ter perto de nós, tem recursos para nos ajudar, ou para tentar fazê-lo. Ela equivale ao pássaro cuidador que engole, digere e devolve a “minhoquinha”. Nos oferece alimento, agasalha, envolve com os braços, conversa sobre o ruído que nos apavorou, explica que o que nos trará conforto já vai chegar…tudo isto é comida mastigadinha que já nos serve como alimento. É alfa e passamos a poder fazer algo com aquilo. Impede-nos de engasgar e morrer ou ter que expeli-lo para não morrer, mas também, ao expelir não crescemos, não aprendemos com a experiência.
A minhoquinha inteira é beta: de nada serve para o nosso crescimento psíquico, só para ser expelida. E o seu destino é complexo, veremos mais tarde. A comidinha mastigadinha é alfa: nos nutre, vai dando origem à nossa capacidade de pensar, de conhecer; vai formando nosso aparelho psíquico. E, vejam como tudo isto exige a presença atenta e sensível do outro: de uma mãe, de um cuidador. Assim começa nossa história pós-natal.